Compaixão é passé
Eu? Eu estou ótimo, saiam daqui!!
Uma das poucas coisas realmente boas que o cristianismo fez pela humanidade foi colocar a compaixão na ordem do dia, como uma virtude a ser praticada sempre, condição necessária para o paraíso. A piedade não era mais uma fraqueza de quem não era suficientemente bravo para vingar uma ofensa ou tomar algo para si.
Hoje em dia, com várias virtudes cristãs saindo de moda (e boa parte delas já vai tarde), as pessoas simplesmente decidiram que sentir pena é uma forma de condescendência, uma ofensa terrível. Não, não podemos ter compaixão, temos que dar tapinhas nas costas da pessoa e dizer que “a vida continua, seja forte, levanta sacode a poeira e dá a volta por cima, é isso aí!” e perguntar quando ela vai devolver aqueles vinte reais que emprestamos na semana passada.
Provavelmente isso acontece porque se considera tão antinatural uma pessoa estar triste, derrotada, com problemas ou sofrendo. Então a pessoa nessa situação é um leproso, que deve ser evitado com um leve constrangimento e que deve carregar um sininho, na forma de uma raiva mal-disfarçada e um orgulho falso, para avisar aos outros da sua infeliz presença. Afinal, alguém pode acabar se contagiando, ficando com dó, compartilhando a tristeza daquela pessoa, credo.
A própria palavra compaixão, na sua origem, significa “sentir junto”. Na minha opinião, é isso que nós devemos às pessoas que amamos: sentir as coisas junto com elas, boas ou ruins. Se ficamos felizes porque elas estão felizes, nada mais natural que a infelicidade dessas pessoas nos faça sofrer também. E isso é bom! Isso é um sinal de humanidade, quem é incapaz de sentir pena não é gente.
Nunca vou dizer que não sintam pena de mim. Se eu estiver na merda, infeliz, sofrendo, podem sentir pena. Por favor, sintam pena. Só vai me fazer bem saber que alguém vai sofrer um pouco porque se importa.
29 Comments:
Vai direto pros Melhores Posts da Alessandra junto com o Elogio da Mentira.
Alessandra, que post maravilhoso!!! adorei! e tem tudo a ver com um caso que aconteceu há pouco tempo. Eu escrevi num blog que morria de pena de uma pessoa que estava sendo esculhambada pela blogosfera afora e uma moça escreveu, logo depois que tudo que ela nao precisa é da pena dos outros... me alfinetando, claro... mas como se "pena" fosse algo que a gente escolhe ter. Ou se tem ou não se tem. E achei a sua abordagem perfeita, quando medo da compaixão as pessoas tem.
Mas, olha, muito antes do cristianismo, o budismo já pregava a compaixão, apenas em outras bandas.
Beijão e parabéns pelo maravilhoso post!
Alessandra, ser humano hoje em dia é muito complicado. Dividir sentimentos com outros é muitas vezes tachado de besteira, fragilidade, covardia etc. Triste mundo esse, só de vencedores sem vencidos.
A imagem de Dante e Virgílio casou muito bem com o texto e a confissão final também.
Beijos
Ale! Que post mais thought provoking! Nunca tinha pensado nisso, mas como sempre... vc tem razao! Beijos
Post ótimo, até porque eu fui "obrigado" a mudar minha postura recentemente. Não há nada de errado em pessoas terem pena umas das outras, desde que não seja uma pena "esnobe", do tipo que vem de espírito de superioridade.
Acho que, melhor do que pena, a palavra é justamente compaixão, algo que nos falta hoje em dia, seja com amigos, seja com desconhecidos. Mundo dos fortes, sim, e também mundo dos indivíduos, e individualistas. Triste isso.
(e eu sou o Paulo, amigo da Camila)
Alessandra,
Belíssimos textos, os teus!
O Alex e o Acaso me trouxeram aqui.
Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as.
Abraços, flores, estrelas...
Por isso que eu não paro de ler esse blog.
Eu prefiro empatia a compaixão. É bem mais sólida.
Vemos por aí gente ficando maluca, traindo a própria natureza ao recusar a solidariedade do próximo. Tudo em nome dessa filosofia que prega a auto-suficiência adquirida em manuais de auto-ajuda. Existem os que se viram de qualquer jeito, levantando-se sozinhos sem drama algum, que realmente não precisam de ninguém, sem lágrimas contidas ou carência de olhares condescentes. Outros, não. Enfim, é preciso despadronizar certas práticas, pois cada um tem suas, digamos assim, idiossincrasias. Quem não reconhece isso, potencializa certas ditaduras do dia a dia. Triste isso
Oi, Alessandra. Seu texto é muito lúcido e traz à tona realmente o que nunca falamos. A idéia que temos de compaixão é essa mesmo, ruim. Mas na minha opinião existem vários tipos de compaixão e dessas "discordâncias" decorrem as desconfianças. Se você analisar bem, vai perceber a diferença. Exemplo: o fulano que só lhe procura pra pedir algo. E, já visualizando o que quer pra si, se utiliza da real pena que ele sente por "ti" (o que é até válido, não a desprezo totalmente e até vejo sinceridade nos olhinhos molhados da pessoa), diz que você TERÁ (veja bem, terá) do bom e do melhor QUANDO você for visitá-lo em tal lugar e esse lenga-lenga todo é pra te deixar com sentimento de culpa por não estar aceitando a provável compaixão momentânea dele (a) e daí, o que vem depois desse circo todo da "compaixão"? Você "abrindo e arreando as calças", mais uma vez cedendo e ajudando o fanfarrão. Quem teve compaixão aí nesse caso? O que chorou dizendo que se compadece da sua saudade para com o amado ou você que diante da suposta compaixão ajudou na prática esse amigo caridófilo?
Agora falando em diferenças sociais: caridófilo é o que ama pobreza mas odeia pobre. Caridoso é o que ama pobre e odeia pobreza, este sim o verdadeiro caridoso.
Stephan Zweig diz tudo sobre compaixão no prefácio do seu livro "Coração Inquieto":
"Há precisamente duas espécies de compaixão - impaciência que tem o coração de, o mais depressa possível se libertar da emoção penosa ante o sofrimento alheio. A outra, a única de valor - a compaixão não sentimental, mas eficaz, que sabe o que quer e está decidida a paciente e compassivamente aturar tudo até o extremo de suas forças e mesmo ainda mais."
Então é isso que eu penso da compaixão, ou seja, entendo a sua visão, mas não acho que o cristianismo nos trouxe isso de bom, não. Até Wilhem Reich disse bem no seu livro "o Assassinato de Cristo".
Bjs
Este comentário foi removido pelo autor.
Empatia é:
Se o seu amigo fica alegre, vc fica alegre tb.
Se o seu amigo fica triste, vc fica triste tb.
Se o seu amigo pula da ponte, vc sente saudades daquele idiota.
Eu também acho que sentir pena é uma forma de gostar, mas as pessoas preferem que gostem delas directamente e não indirectamente através da piedade. E quantas vezes já não ouvi a frase "Que pena que eu tenho de ti" ser dita com ironia, por ódio. Mas ninguém diz que nos ama ou adora com ironia, é por isso que preferimos ouvir essas palavras.
Ale! Cade voce? Amei que vc deixou um comment. Big Smile :)
Alessandra,
esse seu post é tocante e belo. Sim, é muito impotante saber que alguém se importa, muito, sempre. Bacana.
junto,
Lulu.
Muito bacana.
Mas e as pessoas que viciam nessa pena? Vão sofrer o tempo inteiro, só pela atenção. Compaixão é um erro de qualquer jeito: acho que devemos oferecer ajuda, se oferecer como companheiro, mas sentir pena é naturalmente ruim. "Levantar-se e dar a volta por cima" é exatamente o que a pessoa tem que fazer. Se nós dois ficarmos nadando nas lágrimas, nada muda.
Food for thought. Excelente post!
Devo ser maluco. Eu adoro que sintam pena de mim. Mesmo quando estou bem, prefiro fingir que estou mal para que tenham dó. Acho muito melhor do que ser invejado, por exemplo!
Não preciso estar na merda ou infeliz para querer/gostar que tenham pena de mim. Venha de quem vier, eu aceito este sentimento que, no fim das contas, é agregador de almas, espíritos, o que seja. A piedade, uma cortesia de corações generosos,está muito além de qualquer encruzilhada religiosa. Ela unifica o ser humano naquilo que mais o desnuda: a dor. Tenha pena de mim, moça. Eu retribuo com o júbilo da minha gratidão.
E é no mínimo irônico que sejamos educados para ter compaixão pelos outros e, concomitantemente, evitar a compaixão dos outros. Ouve-se na igreja a voz de juízo final do padre a dizer "tenhais compaixão pelo teu próximo" e, ao chegar em casa, o pai grita "vira homem, moleque! Nunca deixa ninguém ter dó de você."
Oi Ale! Concordo em termos. Conheço gente que realmente não se sente bem em ver muita gente na volta dizendo "coitadinho dele". Acho que, como em todos os aspecos da vida, tudo demais é perigoso. O segredo da compaixão é o equilíbrio. Até porque (e novamente sem querer generalizar), muitas vezes quem está na situação de dar pena não quer compaixão. Quer ajuda.
Enfim, é só pra contrapor um bocadinho, não vai se ofender, hein?
Abração!
Sumiu de vez?
Beijos
eu às vezes me pego querendo que os outros tenham pena de mim. repreendo-me, acho estúpido. cada um tem seus dramas, afinal.
não sei. valores são valores e valores não se discute(isso é discutível). é importante manter a hombridade, a integridade. pedir para que tenham piedade é se prostrar, é fraqueza. e que há de errado em repudiar a fraqueza?
não tenham piedade de mim.
Cheguei neste blog via A.soares silva; li e adorei: uma excelente luz na retina.
Muita gente, talvez a maioria das pessoas, confunde compaixão com pena. Mas uma coisa não tem nada a ver com outra.
Sentir pena de algum ser ou do que quer que seja, significa que estamos nos sentindo numa condição superior à daquele ser, no sentido de que nos encontramos em uma situação melhor do que a dele, por não estarmos passando pelo mesmo sofrimento que ele vive naquele momento. E nesse caso, geralmente nos permitimos algum tipo de julgamento quanto a esse ser, ou mesmo quanto à situação que originou esse sofrimento.
Ter compaixão, no entanto, significa colocar-se incondicionalmente ao lado do outro, sem qualquer tipo de julgamento quanto à situação que ele está vivenciando, sem nenhum outro sentimento que não seja o de propiciar alívio à situação na qual aquele ser se encontra.
A compaixão exige de nós uma atitude, uma ação. Exige que nos coloquemos na situação em questão, e que nos ofertemos, ou a algo de nós mesmos, para que essa situação se resolva. Exige que estejamos presentes, que sejamos atuantes, que nos posicionemos.
Bem comentado esse... vamos ver se tem saco pra ler mais um...
Essa coisa de sentir pena, tem dois lados... se a pessoa olhar pra vc e sentir pena porque tá de desmerecendo é uma coisa. E acho que a reação das pessoas normalmente é nesse sentido.
Mas com maturidade acho que isso não acontece! Existe uma certa empatia, vc se coloca no lugar do outro e se já passou por aquilo, sabe que é ruim.. sente pena e compaixão nesse sentido... de tentar ajudar a pessoa a não sentir algo ruim que vc já sentiu.
Isso não tem nada a ver com desmerecer a pessoa, pelo contrário, vc só reconhece que ela é humana, como vc!
Bjs,
Fiu
Pois é, como disse o Milan Kundera, em A Insutentável Leveza do ser, sobre essa compaixão não com o substantivo sofrimento sendo passio, mas sim sentimento:
"A compaixão designa a mais alta capacidade de imaginação afetiva, a arte da telepatia das emoções. Na hierarquia dos sentimentos, é o sentimento supremo"
acho que a maioria de nós não sabe lidar com o sofrimento do outro e então prefere se afastar,inventando qualquer desculpa, ou simplesmente, é como vc falou, falta compaixão
outra coisa é que a sociedade exige hoje que estejamos sempre felizes e sorridentes. se alguém tá sério, na sua, ou triste é tachado de chato ou mal humorado
essa falta de compaixão me faz lembrar de um amigo meu que passou por uma depressão e que num certo dia eu perguntei como estava, e ele respondeu: 'tudo bem", só que dois dias depois se matou.
sua questionamento é muito pertinente. parece antinatural, o sujeito fica feito um leproso, enfim, será que "ninguém pode sentir junto"?
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