Exercício Cênico I
Eu escrevi este texto no começo do ano, como uma tarefa dada para os componentes do Núcleo Experimental do Satyros. Ele foi apresentado para esse grupo durante uma aula, comigo fazendo o papel da mulher. Não acho esse texto muito bom, nem muito sofisticado. Só fiquei com vontade de postar.
HOMEM – (lendo num livro) Paixão é um estado crônico de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação do sentimento, perdurando como um anseio profundo e monopolizante.
MULHER – (canta “Ne me quitte pas” baixinho)
MÉDICO – (como falando numa conferência) Na patologia em questão, várias sensações – freqüentemente contraditórias – são experimentadas, tais como a ansiedade, depressão, euforia, raiva, vergonha, sensação de onipotência, excitação, perplexidade, culpa, insônia e aumento do desejo sexual, tudo isso caracterizando a natura mórbida da enfermidade. É notadamente difícil convencer o paciente a se tratar, já que na maioria das vezes o doente “se afeiçoa” à sua condição. Porém em psiquiatria a morbidez é um atributo que não acomete apenas o paciente, mas se estende aos demais, às pessoas que lhe são próximas. Por isso é importante que se force o tratamento da paixão.
M – (parando subitamente de cantar) Seu imbecil, paixão não é doença. Não é condição! Ela simplesmente é!
ME – (sem dar muita atenção) Aqui temos um exemplo claro de resistência ao tratamento e apego aos sintomas.
M – Idiota!! Zumbi, animal, seu robô, sua coisa!!
(o médico ignora)
H – Vamos, vamos... você precisa tomar os seus remédios.
M – Não tomo porra nenhuma!
H – Você sabe que o médico mandou. Você vai se sentir melhor.
M – Ele que enfie o remédio no rabo! Eu não me sinto melhor, esse maldito remédio me faz mal.
ME – (preocupado) Te faz mal? Enjôo, dor-de-cabeça, gastrite? Erupções, tontura, diarréia?
M – Não... não é nada desse tipo.
H – Bem, diga o que é então.
M – É que eu não sinto nada!
ME – (aliviado) Oras, mas é só isso?
M – Como só isso?!??
ME – (paternal) Esse é o propósito do remédio, querida... para você se acalmar.
H – Se controlar.
ME – Ficar mais tranqüila.
H – Mais sociável. Menos “apaixonada”.
M – (chorando) Eu não quero!! Não tem nada errado comigo...
H – Ah não? Ah, não?? Pois veja bem (abrindo o livro, enérgico): “Paixão, substantivo feminino. Um, sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão. Dois, afeto dominador e cego, obsessão. Três, desgosto, mágoa, sofrimento. Quatro, arrebatamento, cólera. Seis...
M – Chega!!
H – Como uma coisa descrita dessa maneira pode ser positiva? Hum? Esse sentimento improdutivo, egoísta, destruidor?
M – Porque é assim que tem que ser!! A paixão é egoísta, indecente, sociopata, prostituta (o Homem e o Médico parecem constrangidos)!! Nasceu assim!! Tudo isso é a paixão e eu ainda louvo essa merda. Sabe por quê? Porque sem isso a gente é um monte de morto-vivo e se algum idiota apaixonado não se desgraçar de vez em quando, a humanidade não anda!!
ME – Mas que absurdo, a ciência...
M – Foda-se a ciência, a ciência não sabe nada! (o Médico parece indignado) A evolução dos homens é um deus que exige sacrifícios humanos e são sempre os apaixonados que vão para o altar. Porque toda paixão é revolucionária, jacobina, cortadora de cabeças, desejosa de ser o único poder do universo!! Minhas paixões todas querem ser Deus!! E se não for assim, proibida, não é paixão... é ternurinha, é chilique, é tesãozinho, paixão não! Às vezes acho que nos proíbem as coisas só para que possamos nos apaixonar pelas coisas erradas e transgredir e nosso sangue possa fertilizar o chão... Se a paixão não destruir quem a sente, não é paixão!
H – (seco, depois de ficar cada vez mais enfurecido durante o discurso) Bem! Então acho que vamos te ajudar a provar a sua tese!
(faz um gesto para o Médico. O Médico tira do jaleco uma seringa e aplica na Mulher. Ela se debate e quando ele consegue, ela perde as forças e começa a gemer e bater a cabeça no chão, devagar).
M – (murmurando) Coisa inexprimível e sem nome, tormento e doçura da minha alma...
(O Médico corre a amordaçá-la. Volta para seu lugar e assume a postura de antes. Nesse meio tempo, o Homem, que estava rabiscando no livro, termina e guarda a caneta no bolso).
H – (limpa a garganta e lê) Viola-se a própria união que deve existir entre Deus e nós, quando a natureza, de quem Ele é autor, se mancha pelas paixões depravadas.
ME – (fazendo conferência) Como se percebe então, a patologia origina-se numa disfunção aguda do Sistema Límbico. Nos casos crônicos, tratamento intenso é necessário para evitar o estado constante de paixão, que pode ser fatal para o paciente ou, em momentos de crise, para terceiros.
HOMEM – (lendo num livro) Paixão é um estado crônico de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação do sentimento, perdurando como um anseio profundo e monopolizante.
MULHER – (canta “Ne me quitte pas” baixinho)
MÉDICO – (como falando numa conferência) Na patologia em questão, várias sensações – freqüentemente contraditórias – são experimentadas, tais como a ansiedade, depressão, euforia, raiva, vergonha, sensação de onipotência, excitação, perplexidade, culpa, insônia e aumento do desejo sexual, tudo isso caracterizando a natura mórbida da enfermidade. É notadamente difícil convencer o paciente a se tratar, já que na maioria das vezes o doente “se afeiçoa” à sua condição. Porém em psiquiatria a morbidez é um atributo que não acomete apenas o paciente, mas se estende aos demais, às pessoas que lhe são próximas. Por isso é importante que se force o tratamento da paixão.
M – (parando subitamente de cantar) Seu imbecil, paixão não é doença. Não é condição! Ela simplesmente é!
ME – (sem dar muita atenção) Aqui temos um exemplo claro de resistência ao tratamento e apego aos sintomas.
M – Idiota!! Zumbi, animal, seu robô, sua coisa!!
(o médico ignora)
H – Vamos, vamos... você precisa tomar os seus remédios.
M – Não tomo porra nenhuma!
H – Você sabe que o médico mandou. Você vai se sentir melhor.
M – Ele que enfie o remédio no rabo! Eu não me sinto melhor, esse maldito remédio me faz mal.
ME – (preocupado) Te faz mal? Enjôo, dor-de-cabeça, gastrite? Erupções, tontura, diarréia?
M – Não... não é nada desse tipo.
H – Bem, diga o que é então.
M – É que eu não sinto nada!
ME – (aliviado) Oras, mas é só isso?
M – Como só isso?!??
ME – (paternal) Esse é o propósito do remédio, querida... para você se acalmar.
H – Se controlar.
ME – Ficar mais tranqüila.
H – Mais sociável. Menos “apaixonada”.
M – (chorando) Eu não quero!! Não tem nada errado comigo...
H – Ah não? Ah, não?? Pois veja bem (abrindo o livro, enérgico): “Paixão, substantivo feminino. Um, sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão. Dois, afeto dominador e cego, obsessão. Três, desgosto, mágoa, sofrimento. Quatro, arrebatamento, cólera. Seis...
M – Chega!!
H – Como uma coisa descrita dessa maneira pode ser positiva? Hum? Esse sentimento improdutivo, egoísta, destruidor?
M – Porque é assim que tem que ser!! A paixão é egoísta, indecente, sociopata, prostituta (o Homem e o Médico parecem constrangidos)!! Nasceu assim!! Tudo isso é a paixão e eu ainda louvo essa merda. Sabe por quê? Porque sem isso a gente é um monte de morto-vivo e se algum idiota apaixonado não se desgraçar de vez em quando, a humanidade não anda!!
ME – Mas que absurdo, a ciência...
M – Foda-se a ciência, a ciência não sabe nada! (o Médico parece indignado) A evolução dos homens é um deus que exige sacrifícios humanos e são sempre os apaixonados que vão para o altar. Porque toda paixão é revolucionária, jacobina, cortadora de cabeças, desejosa de ser o único poder do universo!! Minhas paixões todas querem ser Deus!! E se não for assim, proibida, não é paixão... é ternurinha, é chilique, é tesãozinho, paixão não! Às vezes acho que nos proíbem as coisas só para que possamos nos apaixonar pelas coisas erradas e transgredir e nosso sangue possa fertilizar o chão... Se a paixão não destruir quem a sente, não é paixão!
H – (seco, depois de ficar cada vez mais enfurecido durante o discurso) Bem! Então acho que vamos te ajudar a provar a sua tese!
(faz um gesto para o Médico. O Médico tira do jaleco uma seringa e aplica na Mulher. Ela se debate e quando ele consegue, ela perde as forças e começa a gemer e bater a cabeça no chão, devagar).
M – (murmurando) Coisa inexprimível e sem nome, tormento e doçura da minha alma...
(O Médico corre a amordaçá-la. Volta para seu lugar e assume a postura de antes. Nesse meio tempo, o Homem, que estava rabiscando no livro, termina e guarda a caneta no bolso).
H – (limpa a garganta e lê) Viola-se a própria união que deve existir entre Deus e nós, quando a natureza, de quem Ele é autor, se mancha pelas paixões depravadas.
ME – (fazendo conferência) Como se percebe então, a patologia origina-se numa disfunção aguda do Sistema Límbico. Nos casos crônicos, tratamento intenso é necessário para evitar o estado constante de paixão, que pode ser fatal para o paciente ou, em momentos de crise, para terceiros.
6 Comments:
Você escreve bem. Gostei deste trecho: “Às vezes acho que nos proíbem as coisas só para que possamos nos apaixonar pelas coisas erradas e transgredir e nosso sangue possa fertilizar o chão...”
Não necessariamente porque concorde, mas porque acho que toca em questões profundas.
Sobre teatro, acho interessante isto aqui (está em espanhol):
http://www.geocities.com/symbolos/083teatro.htm
Abraço e que a Paz esteja com você
Achei bom o texto. Gostaria de vê-lo interpretado...
Anônimo, obrigada! Gostei do link que voc6e me mandou, bem interessante. Mas põe o nome aí, pô!
Menina, ficou bem bacaninha a cena, viu? Apareça!
Tá impossíver comentar nesse blogspot, então vou juntar 2 em 1 di grátis:
Contratar-te-ei pro filme que jamais farei!
E pro post abaixo, mestre Sabinão dizia que o que é bom é belo mas nem tudo que é belo é bom. Demorei tanto pra comentar que até esqueci o resto.
Beijo
Eu gostei do texto. Intrigante a discussão sobre a paixão. Não sabia que você fazia parte do Satyros.
Beijo e continue escrevendo.
Legal o texto.
A tentativa de explicar o inexplicável, por em algumas linhas o q impossível de ser descrito, dominar o q nasceu para ser livre...
Um debate é interessante...
Uma peça interessante
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