Maldito Artaud
Eu estou me cansando, sabe? Estou cansada dessa estética do choque. Será que não existe outro assunto além do sexo, do trauma, da escatologia e da violência? Porque será que essa gente tem tanta dificuldade em entender que a maior parte dos conflitos importantes acontece enquanto as pessoas estão vestidas e sóbrias? Que a crueldade humana se manifesta muito mais freqüentemente na forma de fofoca, chantagem emocional, alfinetadas e puxadas de tapete que na de assassinato, estupro ou infanticídio? Tá, essas coisas são assuntos importantes sim, dá para fazer arte com elas, claro que dá. Mas agora vamos mudar de tema, por favor. Só um pouco? Só de vez em quando? A loucura, a raiva e a infelicidade não são os únicos estados emocionais interessantes, e juro, não precisa a gente desconstruir tudo que vê pela frente.
13 Comments:
Oi, Alessandra!
Olha, talvez nem tenha nada a ver com este post (estou em um dos meus dias burros?), mas essa idéia de "pessoas vestidas e sóbrias", fofocas e o fato de ver várias referências à literatura em seu blog me deram vontade de te indicar uma leitura - já leu "Reparação", de Ian McEwan? Li há pouco e, sei lá a razão, achei que você também gostaria...
Beijo!
(ah, outra coisa: o que me incomoda com a estética do choque é que eu gosto muito da beleza, em tudo e mesmo a que nem é óbvia, e me incomoda quando a desconstrução e o choque acabam por eliminá-la, como muitas vezes acontece.)
já desisti dessa estética do choque há uns cinco anos, quando parei de ler Rubem Fonseca.
o foda é que a gente fica desiludida com a literatura (e o cinema) brasileira atual.
aí, né.
a gente vai atrás dos ingleses e o povo vai dizer que é esnobismo :)
ou, como diria o indiana jones: "nothing shocks me, i'm a scientist."
Cadê a claridade das belezas fofas?
pois é, desde Amarelo Manga e a cena da vaquinha que não desce mais nenhum baixio das bestas goela abaixo.
P.S - gostei do blog ó.
O "problema" é que muita gente hoje só é atingida pela estética do choque. Vai falar, por exemplo, da violência "bem vestida" de Brasília e as pessoas ficam indiferentes, fazem piadas, é de outro mundo quando, na real, é muito mais do cotidiano delas do que a coitada da Isabella. Filmes? Aposto que todo mundo que viu "Irreversível" lembra a cena do estupro ou mesmo a briga na boate gay, mas tantos outros filmes que mostram coisas tão mais verossímeis e a gente puf... nem lembra. Ou seja: não nos tocou, e só o choque anda fazendo isso.
Agora, que medo, hein? Ainda há pouco tempo falávamos do McEwan. Confesso que nem acabei o livro dele, mas tô quase no fim do Raymond. E não estou nem um pouco chocado. =P
Lembro-me de certa vez ler uma entrevista a um realizador de cinema americano que dizia que não tinha pachorra para a quantidade abissal de impropérios que os colegas de profissão faziam questão de colocar nos filmes, alegando sempre que era uma questão de "realismo", de quererem retratar a vida real pura e dura. Ele só perguntava, "Mas na vida real as pessoas não falam assim. Pelo contrário, procuram até evitar usar palavras feias, e são geralmente repreendidas quando o fazem precisamente por ser chocante" etc. Ele tinha razão! Se calhar para algumas pessoas ir ao cinema ver coisas chocantes é uma catarse, a uma libertação dessas convenções sociais. Mas até isso cansa...
Alana, não li ainda mas está na minha lista. E eu também acho terrível essa mania de achar que algo, humm, intenso, tem que ser feio. Não tem.
Olivia, foi o que eu percebi outro dia. Partindo mais ou menos da mesma idéia, um diretor faz "Ratatoille" e outro (brasileiro) faz "Estômago". Melhor ser metido a inglês mesmo.
Elenmateus, de fato, cadê? Apareça.
Pátiago, é isso mesmo que me incomoda. Lembro de uma vez um cara dizer que o filme mais violento que ele já tinha visto era A Época da Inocência. Mas parece que algumas pessoas só enxergam o óbvio. E dude, não é para ficar chocado, é para achar cool mesmo! ;-)
Mariana, deve ser por isso mesmo. Mas também acho que esses diretores não tiveram quando pequenos suficientes ameaças das mães de terem as bocas esfregadas com sabão. Ou acham que um palavrão torna alguém mais "natural". Vai ver eles têm Tourette.
Hummm... Estas situações têm me incomodado e não é de hoje. O volume de lixo informativo que nos entope diariamente é absurdo. Paramos de pensar? Não conseguimos mais avaliar o peso das coisas? Precisamos ser constantemente bombardeados por estas "coisas"?
Esquecemos de sentir, de perceber nuances e detalhes do cotidiano e só focamos no reality show apresentado nos telejornais... Pobre visão... dura situação.
beijos
Outro dia li na Bíblia do Millôr (mais ou menos assim):
Algumas pessoas matam. As outras se satisfazem lendo notícias sobre assassinatos.
Artaud avisou, né?
Pow... é isso mermo! mas alguém conte isso aos roteristas de cinema!
heuheuheu
Esse tipo de contéudo que voce descreve é tradicionalmente abordado por sitcons, novelas e séries dramáticas da tv. Diria até que é o tipo de conteúdo de dominio exclusivo da TV, aquele considerado "menos pretensioso", porque só tenta retratar o cotidiano de pessoas normais. Uma sitcom até se declarava como tendo o "nada" como tema. Mas de certa forma, não tem jeito: ou cai na comédia ou no (melo)drama. Sair dessa dicotomia abordando temas banais do dia a dia e ao mesmo tempo ser cativante e artisticamente relevante, é um desafio e tanto. Então, repsondendo à sua pergunta, "por que?": porque é dificil.
Kitagawa, é verdade que é um desafio e tanto, mas as pessoas pelo menos podiam tentar um pouco mais, não é? Tchekov, Tolstoi, Ibsen, e mais um monte de gente conseguiu falar de temas importantes sem tirar a roupa de ninguém e fazendo seus personagens tomarem no máximo um pilequinho com o vinho do almoço. Tudo bem que esses que eu citei eram gênios, mas hoje parece que um cara que se mete a fazer arte a sério sente que não vai ser notado se não for escandaloso. E o mais chato é que isso de ser escandaloso está passé e previsível desde 1917, mais ou menos.
Menina, você devia ter ido ver nossa peça. Banalidades, relacionamentos, clichês, todo mundo vestido e nenhum anão travesti. :P
"da pra fazer arte com elas", muito bom..
realmente os meios de comunicação andam perversamente sensacionalistas (e juram que não o são), onde se sacrifica conteúdo em virtude de cenas chocantes que só desgastam nossa sensibilidade.
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