quarta-feira, março 09, 2005

Moda


Eu não acho moda uma coisa fútil. Não acho mesmo.

Claro, não acho uma coisa importantíssima também. Com certeza o mundo passaria muito bem sem a existência de haute couture e de bolsas chanel. Não faria nenhuma falta para a vida prática e obrigaria muita gente a colocar o dinheiro em coisa melhor. Mas com certeza faria o ato de andar na rua uma coisa muito menos interessante.

A moda existe para nos definir e mostrar quem somos. É um código. Ela nasceu para diferenciar quem tinha poder (e dinheiro) de quem não tinha. Até certa época era uma coisa muito rígida: se você é nobre, pode usar essas cores, esses elementos. Se não é, então só pode usar esses outros aqui. Em algumas sociedades, como o Japão feudal, a moda era definida por lei. Era uma forma de se mostrar, claramente, de longe, quem você era, onde havia nascido e qual a sua ocupação. Ou desocupação, em alguns casos. Mas era uma coisa que se alterava lentamente, demorava décadas para a moda mudar e os vestidos ricos entravam na herança dos nobres.

Quando a sociedade moderna européia viu nascer a burguesia, rica e ansiosa para desfrutar da interessante vida da nobreza, a moda sofreu uma reviravolta. Os burgueses rapidamente correram atrás dos cortes e tecidos dos nobres, copiando seu jeito de vestir e se portar. Naturalmente, a aristocracia não gostou nada de estar parecida com plebeus com dinheiro e começou a criar códigos internos de vestir que mudavam rapidamente, antes que a burguesia tivesse tempo de copiá-los. Nessa mesma época nasceram todas as regras complicadas e absurdas de etiqueta, que também tinham a função de diferenciar a origem.

Resumindo uma história muito comprida, a nobreza caiu, os burgueses se tornaram aos poucos os donos do mundo, mas a moda da moda pegou. Os burgueses também queriam se diferenciar dos comuns e continuavam se cercando de luxo e criando códigos de vestir. Isso mais ou menos até a Primeira Guerra Mundial.

Mas conforme a cultura de massas cresceu e floresceu, a moda, aliás, a maneira das pessoas se relacionaram com ela, mudou bastante. Hoje a moda continua dizendo quem somos, mas de uma maneira muito mais individual, muito mais particular. Para começar, ela hoje é muito mais democrática. Moda não é mais coisa de rico. Não só porque há pouca coisa que pode variar tanto de preço como roupas (tanto se pode comprar uma blusinha de tecido ordinário de cinco reais em alguma lojinha no fim do mundo como se pode gastar milhares de dólares com um único vestido Dior) como também porque não é mais só uma elite rica que diz o que é bonito usar. Não existe mais regra e a moda das passarelas e das ruas se influenciam mutuamente, como coisas vivas. Além disso, cada grupo hoje tem sua própria definição de bonito e feio, portanto tudo é contexto. A roupa perfeita para a vernissage parece ridícula para o baile funk.

Por tudo isso, fico meio espantada quando alguém diz que não se importa nem um pouco com o que veste. Acho que quem pensa assim sai perdendo porque, gostemos disso ou não, somos constantemente julgados pelo nosso jeito de vestir e não sem razão. Ele diz muito sobre nós. No mínimo vai dizer algo sobre nossa relação com nosso corpo e nossa aparência, nem que seja para dizer que não nos importamos. Por isso acho importante, ao menos para a maioria das pessoas, conhecer minimamente os códigos do vestir. Se vamos passar uma mensagem, é uma boa idéia saber qual.

Quanto à moda como negócio, a alta costura, as grifes, as modelos e todo esse carnaval de imagens e egos, reconheço que ele tem muito de superficial. Mas, pessoalmente, eu gosto. Acho divertido, acho uma forma de arte maravilhosa, baseada no corpo humano; uma forma de criar beleza e novas formas de se ver as roupas e quem as veste. Não me importa que seja um tanto fútil, exagerado, que explore a vaidade de uma forma tão descarada. É bonito. Lindo.
Afinal, talvez fosse muito bonito que nós todos nos vestíssemos, como em Utopia, de simples roupas de algodão cru, todas iguais para homens e mulheres. Mas o mundo seria, muito, muito mais chato, sem coisas como quimonos, gravatas e corseletes. Pode ser uma bobagem, mas eu gosto mais assim.