segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Sempre sofro para escrever. Sempre, todas as vezes que vou produzir alguma coisa sincera (às vezes nem precisa ser muito sincera) meu pensamento sofre as dores do parto. Nunca é fácil, mesmo quando chego a ficar desesperada para pôr alguma coisa no papel, mesmo quando as palavras estão pulando dos meus dedos, ainda assim eu sinto dor, ainda assim é difícil e aflitivo.

Será que é para ser assim? Será que as outras pessoas conseguem escrever sem sofrer? Como será isso, escrever de verdade sem sentir dor? Talvez seja por isso que estou sempre de mal com o que escrevo, é uma depressão pós-parto que me faz rejeitar minha criação, como uma mãe que não consegue pegar no colo o filho indesejado que lhe foi imposto. Mas me pergunto se escrever mais fácil é escrever melhor. Talvez se eu escrevesse sem sofrimento não só escreveria muito pior como também não me daria conta da mediocridade dos meus escritos. Mas talvez não.


That's The Way—It Should Have Begun! But It's Hopeless - Roy Lichtenstein

Gostaria de acreditar que realmente o poeta é um fingidor e finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. Minha vaidade adoraria. Porém é mais provável que eu esteja simplesmente pensando demais para escrever, como faço em tudo na vida, superanalisando tudo que me acontece. Talvez se eu não tentasse tanto me esconder, me proteger, me cercar e me encouraçar, eu pudesse escrever como quem respira. Se eu não tivesse medo, medo do ridículo, da dor, do incerto, da mudança. Medo principalmente dos outros e os outros, convenhamos, são temíveis. Acho que só é realmente livre quem não tem medo de nada.

Mas aí se tem um contra-senso: sobre o que vai escrever alguém que não tem medo de nada?

terça-feira, fevereiro 22, 2005

Desprezo



Francis Bacon - Auto-retrato

Eu desprezo os covardes que se fazem de vítimas para jogar para os outros a responsabilidade por seus fracassos.

Eu desprezo os mártires orgulhosos, que empinam o queixo e batem no peito dizendo bem alto “Eu sou humilde!”.

Eu desprezo as mulheres lamurientas, que esperam pelo homem perfeito que as salvará da mediocridade, das decisões, de sua anorgasmia e de suas dívidas no cheque especial.

Eu desprezo os que se endividam por amor ao luxo e à imagem que os demais fazem deles, jogando fora projetos em troca de aparências.

Eu desprezo o orgulho da burrice, o olhar desafiador dos que são ignorantes por escolha e se vangloriam disso.

Eu desprezo os corvos de mau agouro, que deprimem as ambientes com suas vergonhas e seus preconceitos, contagiosos como a peste.

Mas, por desprezar a todos eles, também desprezo a mim mesma, por minha arrogância e minha mesquinhez que me fazem esquecer que não sou melhor que nenhum deles.

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Ceci n´est pas une post.



A Traição das Imagens - René Magritte


Fiquei muito, muito tempo adiando esse não-post. Isso porque, como o meu nome vai aí embaixo e eu estou dando a cara para bater, queria colocar algo realmente interessante, inteligente, original. Algo que realmente valesse a pena ler. Não que alguém vá de fato fazer isso, mas a gente sempre tem esperanças.

Só que eu percebi que isso contrariava a própria idéia desse não-blog. Porque a razão dele ter sido pensado e criado foi justamente não ter compromisso com nada, nem com a idéia de um blog, nem de um diário, nem com notícias, o interesse, a inteligência, a originalidade. Ele foi criado apenas para me dar um espaço público p/ escrever, que no fundo é o que a maioria de nós quer: ser ouvido e trocar idéias. Tentar me obrigar a ser genial toda vez que eu colocasse uma palavra aqui seria um ato inútil de vaidade, que só prejudicaria as minhas idéias e o meu senso crítico, já meio capengas.

Por isso mandei tudo isso p/ um recanto muito popular da anatomia humana e simplesmente escrevi o que tive vontade. E é isso que eu vou fazer daqui para frente. Que ninguém espere nada de mim.