Ontem à noite eu estava na Praça Roosevelt, bebendo e conversando com meus amigos, como costumo fazer. Estava calor, na calçada no nosso lugarzinho de sempre estavam algumas mesas com pessoas igualmente bebendo e conversando. Normal.
Passa um ambulante vendendo bijuteria. Não sei o que aconteceu. Não sei se ele falou alguma coisa que alguém achou engraçado. Não sei se alguém olhou meio feio e ele se ofendeu ou se alguém recusou o produto de um jeito meio mal-educado. Sei que de repente, ele começa a gritar com alguém, enfurecido. Muito mesmo. Ele berra que não é lixo. Que ele está ali cuidando da vida dele, que ninguém ali é melhor que ele. Xinga as pessoas que olham.
Eu não estou vendo nada disso. Só ouvindo. Estou do lado de dentro, num lugar que não me deixa ver mais que um pedacinho da calçada. Na minha mesa, nós rimos de puro constrangimento quando ele começou a gritar. Agora estamos quietos, nos olhando. A raiva do homem se volta para deus e ele pergunta porque nada dá certo para ele, porque ele tem que sofrer tanto, meu deus, como uma pessoa consegue viver assim? Algumas pessoas nas mesas da calçada se levantam, pagam a conta e vão embora. São xingadas pelo ambulante quando saem.
Agora nós todos estamos tristes. Estávamos justamente compartilhando problemas quando começou. E aquela amargura toda, aquela raiva do mundo que não tem fundo, não deixou ninguém mais feliz. Sentimos pena.
Ao mesmo tempo, um pensamento me ocorre e logo outra pessoa na mesa, naquela coincidência de pensamento que às vezes acontece, comenta: “se isso fosse uma cena, todo mundo na platéia ia achar falso”. É verdade. Aquela dor, tão cheia de verdade, sincera até a loucura, de pudor zero, parece um pouco ridícula e esteticamente errada aos olhos das pessoas na mesa. Nós todos somos atores e nós todos sabemos que aquela situação daria péssimo teatro. Nelson Rodrigues estava certo quando disse que as pessoas na vida real morrem de um jeito canastrão. Bem, o sofrimento real também é canastrão. Aliás, quanto mais intenso mais canastrão.
A dona do bar está aborrecida. Todas as mesas da calçada agora estão vazias e o homem ainda grita, sem nenhum sinal de que pretende parar. “Seu bando de filho-da-puta, aqui é todo mundo filho-da-puta! Merece tudo ser assaltado mesmo!”. Ela se irrita, vai até ele e fala que vai chamar a polícia. Chama, ele desafia. Ela entra resmungando e vai até o telefone.
Eu estou me sentindo mal. Parece que nessa semana o destino, os astros ou o que quer que seja querem que eu tenha uma amostra de todo tipo de sofrimento humano que existe. Eu pago minha parte, me despeço e vou embora. Fico parada na porta do bar; eu vou ter que passar por ele para chegar no meu carro e estou com medo dessa raiva toda. Bem, não posso passar a noite aqui. Eu passo, olho sem encarar e entro no carro. Quando saio, eu passo por dois policiais de moto que vêm em sentido contrário.